Era uma vez um povo…
Que vivia nas entranhas da Terra, tendo o fogo como seu elemento mágico e purificador, eram adoradores do fogo sagrado que há por dentro das profundezas da terra…
Esse povo vivia oculto, tendo suas ocupações e seus afazeres, sem conhecer absolutamente nada que pudesse existir na superfície.
As gerações se passavam inteiras enquanto os tempos corriam, e aquele povo permanecia vivendo dentro do mundo, ignorando tudo o que houvesse por fora dele…
Por conta disso, eles viviam injuriados e tristes, pois só conheciam noites sem fim… Mas tinham uma fé imensa e uma grande sabedoria.
Um dia, um homem, cansado daquela mesmice, cansado por conta da dificuldade em se conseguir água, adormeceu enfadado e sonhou com um mundo diferente…
Em seu sonho, uma mulher belíssima, vestida com um manto azul de estrelas, puxava-o do fundo da terra por uma cratera e descortinava-lhe tudo o que havia de desconhecido onde ela habitava…
Em seus sonhos viu coisas que nunca havia imaginado antes, um firmamento azul, as flores, as águas abundantes dos rios, as chuvas…Maravilhado, despertou com a idéia fixa de sair dali, e investigar se, de fato, na superfície havia tudo aquilo que a maravilhosa mulher lhe havia apresentado. Com uma tocha, o rapaz foi subindo, subindo, passando por meandros ocultos e galerias que conhecia, até chegar à uma caverna até então desconhecida, de onde pôde vislumbrar os raios da luz solar, que, a princípio, machucaram seus olhos tão afeitos à escuridão e à luz única do fogo sagrado…
Viu o céu límpido, onde criaturas aladas voavam e emitiam cantos sonoros… Viu árvores imensas, onde estavam pendurados frutos coloridos e bonitos… Pela primeira vez, sentiu o vento, ouvindo a música que ele toca quando passa… Viu inúmeras fontes de água e cascatas, cercadas de flores de cores vivas e animais diversos. Seus olhos não conseguiam entender tanta beleza, como ele seria feliz se ali pudesse viver…
Como seu povo seria feliz se visse tanta maravilha, tantas cores!Pensando nisso, ele desceu de volta às entranhas da Terra, levando pequenas coisas que pudera coletar: frutos e flores, pedras e ramos de árvore. Precisava provar aos mais velhos que ali estivera! Ao chegar, descreveu a todos os seus o que vira lá em cima, e todos, encantados e ansiosos com essa nova possibilidade, também quiseram vislumbrar esse mundo desconhecido…
A mais velha daquele povo, porém, munida por sua fé inabalável e pela experiência de anos e anos de vida, sentindo o impulso daquele povo passional em se arriscar pelo desconhecido, pediu:
– Meus filhos! Sempre vivemos aqui, não teremos outras possibilidades numa terra onde vivem outros seres diferentes de nós. O que faremos, num mundo adverso, e com tantas diferenças?
Temos crianças, que são frágeis…
Os que vieram antes de nós contam que muitos tentaram subir e se perderam…Eles, porém, estavam dispostos a tudo para subirem à superfície. Os mais velhos então orientaram:
– Rezemos a Deus, pedindo a Ele um conselho sobre o que fazer. Se nos for permitido migrar dessas terras, que Ele nos conduza pelas mãos de um Anjo de Luz, e abençoe nossas existências com a saúde e a sorte! Rezemos e peçamos a Deus que nos conceda a permissão de mudar dessas paragens!
Dessa forma, aquele povo simples e sofrido começou a rezar com fervor, imaginando como seria toda a maravilha que o rapaz tinha visto, toda a fartura e a cor que nunca tinham imaginado…
A esperança cresceu tal qual as labaredas de uma fogueira, muitos haviam ali que nunca antes tinham dado um único sorriso na vida, e agora tinham nos olhos de fogo o sonho de uma possibilidade de serem mais felizes…
Deus, que nunca desampara nenhum de seus filhos, manifestou-se pelo fogo sagrado, e disse a eles:
– Meus filhos amados! Escutei a rogativa vinda da pureza de vossos corações, e , concedo-lhes a permissão para viverdes onde quiseres, deixando as entranhas da terra.
Porém, vós não tereis sobre essa terra nenhum poder, nem brigarão pela posse delas, pois que elas nunca lhes pertencerão. Poderão andar por todos os quatro cantos do mundo, poderão conhecer todas as nuances dessa terra, mas sem se fixar a nenhum lugar dela.
Só assim, vós crescereis e levareis à frente a missão para a qual vos destinei.
Respeitosa, a anciã se curva ante o fogo divino e questiona:
– Senhor, de quê viveremos nessa terra? Se não pudermos ter bens e haveres, se nesse lugar nada nos pertencerá, e estaremos nessa terra em êxodo constante, o que deixaremos às nossas crianças?
– Deixarás os dons que lhes confiarei a partir de agora, e o exemplo vivo de que nada nos pertence de fato, que o que temos somente é a nós mesmos, nossa alma imortal que, como vós, ascende das profundezas para a luz! Deixareis o exemplo da dignidade de ser autêntico, de ser verdadeiro e fiel ao que se acredita.
Foi para isso que vos criei. Povo Cigano, filho meu, dar-vos-ei o dom da adivinhação, com o qual podereis ajudar a todos os vossos semelhantes na dura jornada terrena. Lá em cima, eles pouco conhecem do futuro e do que a sorte lhes reserva…
Tem pouco consciência, e se perdem dentro de si mesmos e das dependências que criam.
Vós sabeis o que é o sofrimento e a tristeza, sabeis andar por reinos que eles desconhecem…
Dessa forma, podereis auxiliá-los a compreenderem a si mesmos, com esse dom divino que ora lhes concedo.
Em troca da luz que desejam desfrutar, devereis vós iluminar os caminhos de vossos irmãos, para que eles se ajudem, se conheçam e se precavenham contra os males.
Dentro deles reina uma escuridão tal qual a que seus olhos vêem.
Dou-lhes o dom de iluminá-los com o fogo sagrado do conhecimento. Como vós andareis por todas as terras, todos os conhecimentos se fundirão…
Tereis também o dom da criatividade, sabereis ver além das aparências, e com isso, sabereis criar coisas lindas para os olhos e para a alma, concedo-lhes o dom de fazer coisas belas!
Boa sorte, meus filhos, e cumpram a missão que lhes confiei, sendo felizes nesse mundo novo que os espera!
Os ciganos, então, de posse do que possuíam, e do dom da adivinhação dado por Deus, deixaram as entranhas da terra, e, em sua primeira caravana, rumaram para a superfície, sendo guiados pelo rapaz que os conduziu à entrada da caverna.
Qual não foi a surpresa deles ao avistarem na entrada da caverna uma cigana belíssima, vestida com um manto azul forrado de estrelas, oferecendo-lhe as mãos:
– Meus filhos, sou o anjo que Deus confiou para cuidar de vós. Sempre que precisardes, me chameis! Serei como estrela a vos guiar pelas estradas incertas dessa terra.
Dando as mãos a cada um dos ciganos que saía de dentro da terra, aquela entidade de luz abençoava a cada um com seu olhar plácido e benevolente. E todos os ciganos ficaram com a marca de luz daquele olhar que refulgia as estrelas…
Todos traziam dentro de si a certeza de que, pelo fogo sagrado, o próprio Deus os ouviria, e , admirando as estrelas e a lua cheia, se lembrariam dos olhos de sua poderosa protetora, que estendera as mãos bondosas para retira-los das trevas de onde viviam… Ela desapareceu num facho de luz, e os ciganos começaram sua eterna caminhada…
Como não conheciam as cores, se encantaram com elas, vestindo-se com a beleza do que elas representavam, dando vazão nas roupas a todo o colorido de suas almas…
Sabiam trabalhar com os metais, que podiam retirar das entranhas da terra, viram que as pessoas necessitavam demais dos artefatos que fabricavam…
Observando a natureza, seus ciclos e ritmos, seus elementos e seus animais, descobriram seu enorme talento para a música e a dança, criaram o circo…
Sua ligação com a magia do fogo permanecia, e isso continuou se transmitindo a todos os seus descendentes, era visível em seus olhos magnéticos, não era à toa que eram chamados “os filhos do fogo”…
Sabiam fazer coisas lindas, espalhando arte e beleza onde passavam, conduzindo o homem em seu sonho de liberdade sem fim. Menestréis da liberdade, muita vezes incompreendidos, nunca levantaram armas pela posse de terras, respeitando a missão sagrada confiada por Deus.
Sofreram inúmeras perseguições, mas sempre mantendo a sua fé no Anjo Protetor, chamando-a por vários nomes nas várias nações por onde passaram do decorrer de séculos. E o principal: lendo os olhos das pessoas, podiam dar vazão e crescimento ao dom que Deus lhes concedera: iluminar em troca de luz, auxiliar com a adivinhação os corações aflitos, distribuir alento e consolação aos que estavam sem esperanças…
Vendo a chuva, as flores, os animais e todos os elementos, desenharam-nos em pequenas chapas, com as quais falavam da sorte e dos destinos de quem os consultassem…
Comprovaram que a observação da natureza e das espirais do tempo auxiliavam sobremaneira o uso de seu dom sagrado… Eles correram o mundo, e continuam correndo…
Pois se diz que assim quer o destino, que assim Deus riscou, e o que Ele risca, ninguém rabisca! Para quê os ciganos viajam tanto? Para chegarem ao fim do mundo…
E quando chegarem, farão o caminho de volta, para depois iniciarem tudo de novo, levando a arte, a magia e a alegria à todas as raças. “Nosso povo foi o escolhido por Deus para ser o mensageiro entre os povos!”